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Dengue no Brasil: situação epidemiológica e contribuições para uma agenda de pesquisa





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Introdução

As características clínicas e epidemiológicas peculiares da dengue no Brasil têm despertado o interesse de pesquisadores e organismos nacionais e internacionais de saúde pública, tendo em vista a importância da

identificação dos fatores que determinam as distintas formas de expressão individual e coletiva dessas infecções para o aperfeiçoamento do seu tratamento e controle, pois, em termos de número de casos, representa a segunda mais importante doença transmitida por vetor no mundo (Dengue, 2007).

A dengue se distribui em uma larga faixa abaixo e acima do Equador, 35º N a 35º S (Figura 1). Até a metade da década de 1990, o Sudeste Asiático se constituía na região do mundo mais atingida por dengue (Teixeira et al., 2008). A partir de então, os países das Américas Central e do Sul começaram a se destacar nesse cenário e passaram a contribuir com muito mais da metade dos casos notificados dessa doença no mundo. Naquela década, em apenas um único ano (1998), o Brasil registrou mais de 700 mil casos (ibidem).

No intuito de entender vários aspectos relacionados com o curso dessa doença, diferenças importantes na epidemiologia da dengue, observadas entre essas duas regiões, têm sido destacadas, dentre as quais chama a atenção a menor proporção de casos de febre hemorrágica da dengue (FHD) nas Américas ante a expressiva incidência de casos de FD (Halstead, 2006; Teixeira et al., 2005). Outra diferença entre as regiões diz respeito à faixa etária de maior risco, pois, enquanto no Sudeste Asiático a dengue é uma doença predominantemente infantil, no Brasil, até 2006, a incidência da febre de dengue, de dengue hemorrágica e até mesmo das infecções inaparentes por esse agente era muito mais elevada em adultos (Halstead, 2006; Siqueira-Jr. et al., 2005, Teixeira et al., 2005). Contudo, na epidemia que explodiu no município do Rio de Janeiro, segundo maior centro urbano do país, no verão de 2008, verificou-se uma súbita elevação da incidência entre menores de quinze anos, tanto de FD como de FHD (Barreto & Teixeira, 2008). Porém, esse deslocamento de faixa etária já vinha ocorrendo de forma menos visível nos internamentos por FHD ocorridos no ano de 2007, para o país como um todo (Teixeira et al., 2008).

O aumento de ocorrência da dengue tem se constituído em um crescente objeto de preocupação para a sociedade e, em especial, para as autoridades de saúde, em razão das dificuldades enfrentadas para o controle das epidemias produzidas por esse vírus e pela necessidade de ampliação da capacidade instalada dos serviços de saúde para atendimento aos indivíduos acometidos com formas graves, em especial a FHD. Exemplo concreto e bastante atual é a referida epidemia do município do Rio de Janeiro em 2008, que atingiu outras cidades desse Estado, onde foram notificados mais de 240 mil casos da FD (incidência de 1.527/100 mil habitantes), mais de onze mil hospitalizações, 1.364 casos de FHD, 169 óbitos confirmados e mais de 150 estão sendo investigados. Quase metade dos casos de FHD ocorreu na faixa etária menor de quinze anos de idade e o risco de morrer foi cinco vezes maior em crianças (Rio de Janeiro, 2008).

Este artigo tem como propósito apresentar a situação e principais características epidemiológicas da dengue no Brasil, as dificuldades para o seu controle e os desafios para a agenda de investigação científica orientada para preencher vazios existentes no conhecimento, considerados fundamentais para o desenvolvimento de alternativas para o seu controle.

 

O vírus e seus transmissores

Os agentes etiológicos da febre amarela e da dengue foram os primeiros microrganismos a serem denominados vírus, em 1902 e 1907, respectivamente, descritos como agentes filtráveis e submicroscópicos. O isolamento do vírus da dengue só ocorreu na década de 1940, por Kimura em 1943 e Hotta em 1944, tendo-se denominado Mochizuki a essa cepa. Sabin e Schlesinger, em 1945, isolaram a cepa Havaí, e o primeiro, nesse mesmo ano, ao identificar outro vírus em Nova Guiné, observou que as cepas tinham características antigênicas diferentes e passou a considerar que eram sorotipos do mesmo vírus. Às primeiras cepas ele denominou sorotipo 1, e a da Nova Guiné, sorotipo 2. Em 1956, no curso da epidemia de dengue hemorrágico no Sudeste Asiático foram isolados os sorotipos 3 e 4 (Martinez-Torres, 1990). A partir de então, o complexo dengue passou a ser formado por quatro sorotipos, atualmente designados: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4, que pertencem à família Flaviviridae.

Nas Américas, o Aedes aegypti é o único transmissor desse vírus com importância epidemiológica. Essa espécie de mosquito é originária da África sub-saariana, onde se domesticou e se adaptou ao ambiente urbano, tornando-se antropofílico, e suas larvas foram encontradas em depósitos artificiais. Esse processo adaptativo vem permitindo a sua rápida difusão espacial utilizando os mais diversos meios de transporte e o seu explosivo crescimento nas áreas urbanas. O Ae. Aegypti foi erradicado do Mediterrâneo, na década de 1950, e de grande parte das Américas, nos anos 1950 e 1960. No entanto, houve reinfestação na maioria das áreas de onde havia sido erradicado e, hoje, esse vetor é considerado uma espécie "cosmotropical" (Rodhain & Rosen, 1997). Observa-se que sua capacidade de adaptação está se ampliando, pois, em 1987, foi registrada sua sobrevivência em áreas situadas a 1.200 metros acima do nível do mar (Herrera-Bastos et al., 1992). Ao contrário do que se pensava anteriormente, o Ae. Aegypti tem a capacidade de fazer ingestões múltiplas de sangue durante um único ciclo gonadotrófico, o que amplia a sua possibilidade de infectar-se e de transmitir os vírus (Scott et al., 1993). Além disso, em um mesmo ciclo de oviposição a fêmea coloca os ovos em vários recipientes, garantindo a sobrevivência e a dispersão de sua prole, o que tem sido chamado de saltos de oviposição (Reiter et al., 1991).

Outro mosquito que tem mostrado potencialidade de transmitir o vírus da dengue é o Ae. albopictus. Nas Américas, esse mosquito não tem sido envolvido na sua transmissão, porém a infecção natural desse vetor pelo vírus já foi observada em espécimes coletadas durante surto que ocorreu na cidade de Reynosa no México, em 1997 (Ibánez-Bernal et al., 1997). Essa espécie é oriunda das selvas asiáticas e até recentemente restrita a esse continente. Nos últimos anos, em conseqüência do intenso comércio intercontinental de pneus, por intermédio dos transportes marítimos, o Ae. albopictus se disseminou para as Américas, sendo inicialmente detectado nos Estados Unidos, em 1985. No Brasil, foi detectado em 1986, e já é identificado em mais de mil municípios. Esse vetor não é doméstico como Ae. aegypti, prefere os ocos de árvores para depositar seus ovos e tem hábitos antropofílicos e zoofílicos diurnos e fora dos domicílios. Sua competência vetorial vem sendo objeto de investigação, já que tais hábitos podem estabelecer um elo entre o ciclo dos vírus da dengue nos macacos e no homem, além de haver referência quanto à sua responsabilidade pela transmissão de surtos epidêmicos de dengue clássica e hemorrágica na Ásia (Metselaar et al., 1980; Ibánez-Bernal et al.,1997).

 

Condicionantes da circulação viral

É muito complexa a inter-relação dos fatores envolvidos na dinâmica da circulação dos quatro sorotipos dos vírus da dengue, o que gera confusão e incertezas em vários campos do conhecimento, especialmente no que diz respeito aos determinantes das suas apresentações clínicas e epidemiológicas que são pleomórficas. Assim, observam-se epidemias graves, como as ocorridas no Sudeste Asiático, onde as formas hemorrágicas têm sido freqüentes (Gubler, 1997; Halstead, 2006); as epidemias clássicas consideradas benignas, como a de 1979, em Cuba, causada pelo sorotipo DENV-1, logo foram seguidas por outra, em 1981, vinculada ao sorotipo DENV-2, surpreendentemente grave, com milhares de casos hemorrágicos (Kouri et al., 1986). Em contraponto, as primeiras epidemias dos grandes centros urbanos brasileiros foram seguidas de outras, nas mesmas áreas, provocadas por agentes pertencentes a sorotipos diferentes (DENV1 e DENV2), com poucos registros de dengue hemorrágica por mais de dez anos (Teixeira et al., 2005) .

Os principais determinantes da expressão clínica e epidemiológica das infecções causadas pelo vírus da dengue estão sistematizados no quadro apresentado (Figura 2). Para explicar os fenômenos envolvidos na produção dessas infecções, além dos fatores apontados, Teixeira et al. (1999) destacaram a importância da forma de organização social dos espaços geográficos dos centros urbanos, do modo de vida de suas populações, os seus reflexos no ambiente que criam as condições para a proliferação do vetor desse agente (Kuno, 1995; Teixeira & Barreto, 1996; Costa & Teixeira, 1999).

 

 

Condicionantes de ocorrência das formas hemorrágicas

A ocorrência das formas hemorrágicas da dengue tem sido, em parte, explicada pela presença de anticorpos devido às infecções seqüenciais por diferentes sorotipos do vírus da dengue. De acordo com essa teoria, na presença de anti-corpos contra um sorotipo, a resposta imunológica do indivíduo sensibilizado seria ampliada pela segunda infecção (Antibody dependent enhancement-ADE) (Halstead, 1981, 2006). Embora existam algumas evidências clínicas e epidemiológicas (Bravo et al., 1987a) que corroboram essa hipótese, tem-se observado que outros fatores também podem estar relacionados com as manifestações clínicas das formas hemorrágicas da dengue, tais como virulência das cepas do agente comorbidade, genéticos, estado nutricional, entre outros (Bravo et al., 1987a, 1987b; Guzman & Khouri, 2002; Blanton et al., 2008).

 

Dengue no mundo

As evidências sobre as epidemias atribuídas à dengue registradas antes do período de desenvolvimento das técnicas de isolamento viral deixam dúvidas se todas tiveram como agente etiológico o vírus da dengue e se foram provocadas por um ou mais sorotipo ou pela mesma cepa (Teixeira et al., 1999). Descrições do quadro clínico de epidemias compatíveis com essa enfermidade estão registradas em uma enciclopédia chinesa datada de 610 d.C. Surtos epidêmicos de doença febril aguda no oeste da Índia Francesa, em 1635, e no Panamá, em 1699, têm sido relacionados à dengue, porém sem muito consenso quanto a ser por esse agente etiológico ou pelo vírus Chikungunya. Considera-se que as ocorrências mais bem documentadas antes do isolamento dos agentes são as da Filadélfia (1778) e da ilha de Java, em Jacarta, e do Egito, em 1779 (Martinez-Torres, 1990).

Entre o final do século XVIII até as duas primeiras décadas do século XX, ocorreram oito pandemias e/ou surtos isolados de dengue, com duração de três a sete anos, que atingiram várias partes do mundo: Américas, África, Ásia, Europa e Austrália (Howe, 1977). Ao que parece, quando os meios de transportes eram mais lentos que os atuais, um mesmo sorotipo persistia circulando em determinada área, por alguns anos, causando surtos epidêmicos periódicos, possivelmente modulados pela reposição da coorte de suscetíveis (Gubler, 1997).

A dengue, durante muitos séculos, foi considerada doença benigna, mas após a Segunda Guerra Mundial passou a exibir outras características, pois esse evento propiciou a circulação de vários sorotipos em uma mesma área geográfica, o que favoreceu a ocorrência de uma febre hemorrágica grave, que posteriormente foi relacionada a uma forma grave da dengue. Em 1953, nas Filipinas, foi registrado o primeiro surto de FHD, confundido na época com febre amarela e com outras febres hemorrágicas, mas a confirmação de que se tratava de doença hemorrágica causada pelo vírus da dengue só se deu em 1958, com a epidemia de Bankok/Tailândia (Martinez-Torres, 1990).

A partir de então, vários países do Sudeste Asiático foram sendo acometidos por epidemias de FHD, tais como Vietnã do Sul (1960), Cingapura (1962), Malásia (1963), Indonésia (1969) e Birmânia (atual Mianmar) (1970). Nas décadas de 1980 e 1990, houve agravamento da situação não só com expansão geográfica da virose para Índia, Sri Lanka, Maldivas e leste da China, entre outros países, como também pela elevação da magnitude das epidemias, circulação hiperendêmica entre esses eventos e registro de milhares de casos e óbitos das formas hemorrágicas da doença, predominantemente em crianças (Gubler, 1997).

Após vinte anos sem registro da doença, em 1964 constata-se a circulação do DENV-3 no Taiti, ilha do Pacífico Sul, que se disseminou para outras ilhas próximas. Outro surto, tendo como agente esse mesmo sorotipo, revelou que esse microrganismo havia permanecido circulando naquela ilha, de forma endêmica, durante cinco anos. A seguir, o DENV-2 foi introduzido nessa região do Pacífico com surtos detectados em várias outras ilhas, e em 1975 o DENV-1 foi também isolado nessa região. Na Austrália, registros de dengue vêm sendo feitos desde 1800, com múltiplas epidemias ocorrendo até 1955, após o que passou a não ter registros. No entanto, em 1981, a virose reapareceu nesse país provocando epidemias em várias cidades com isolamento dos quatro sorotipos do vírus. Atualmente, a doença não está disseminada, pois a circulação viral se mantém restrita ao norte da Queensland.1

 

Dengue nas Américas

A dengue ocorreu nas Américas no século XIX, até as primeiras décadas do século XX, quando se observou um silêncio epidemiológico. Em 1963, foi detectada a reemergência do DENV1 e do DENV2, associados à ocorrência de epidemias de dengue clássica. Nessa década, apenas quatro países notificaram casos, número esse que se eleva para nove países em 1979. Todavia, a grande escalada da dengue no continente americano se deu a partir dos anos 1980, período no qual 25 países registraram circulação do vírus, e, com tendência rapidamente crescente, em 2002, observa-se a maior pandemia continental que atingiu 69 nações americanas, registrando-se no total mais de um milhão de casos de FD. Atualmente, a circulação do vírus da dengue já se estabeleceu desde o sul dos Estados Unidos até a Argentina, embora seja mais intensa entre os paralelos 35º N e 35º S (WHO, 2008).

 

Dengue no Brasil

Desde 1846, há relatos de epidemias de dengue no Brasil, no período de 1846 a 1853, ocorridas em São Paulo e Rio de Janeiro, mas as primeiras citações na literatura científica datam de 1916 (Meira), na cidade de São Paulo, e em Niterói no ano de 1923 (Pedro, 1923). Em 1928, um navio francês com casos suspeitos esteve em Salvador, Bahia, mas não houve circulação do vírus na população dessa capital (Soares, 1928).

Em 1953/1954, um inquérito sorológico realizado em indivíduos residentes na Amazônia brasileira encontrou soros positivos para anticorpos contra o vírus da dengue, levantando-se a hipótese de que o vírus circulou nessa região (Causey & Theiler, 1962). Mas a primeira evidência de ocorrência de epidemia de dengue no Brasil é de 1982, quando foram isolados os sorotipos DENV1 e DENV4, em Boa Vista (RO). Inquérito sorológico realizado após essa epidemia revelou que onze mil pessoas foram infectadas pelo vírus da dengue nesse episódio (Osanai, 1984). Possivelmente, a introdução desses sorotipos se deu por via terrestre oriundos de países do Caribe e do norte da América do Sul, pela fronteira da Venezuela. Essa epidemia foi rapidamente debelada, e o vírus da dengue não se expandiu para outras áreas, pois o Ae. aegypti ainda não estava disperso no território brasileiro, e o combate a esse vetor em poucos meses praticamente o eliminou da cidade de Boa Vista (Donalísio, 1995).

O sorotipo DENV-1 foi reintroduzido no Brasil em 1986, tendo sido isolado em Nova Iguaçu, cidade que compõe a segunda maior Região Metropolitana do país, que se situa no Estado do Rio de Janeiro. A partir daí, a dengue passou a se disseminar com surpreendente força de transmissão para as cidades vizinhas, incluindo Niterói e Rio de Janeiro. Desse modo, só naquele primeiro ano, mais de 33.500 casos foram notificados; em 1987, cerca de 60 mil, e as taxas de incidência alcançam mais de 276 e 490 por cem mil habitantes, respectivamente. Em 1986 já atingia o Ceará e Alagoas com riscos de 411,2, 138,1 por cem mil habitantes, respectivamente; e em 1987, Pernambuco, com 31,2 casos por cem mil habitantes. São Paulo, Bahia e Minas Gerais foram acometidos por surtos localizados em pequenas cidades (Teixeira et al., 1999).

No biênio 1986/1987 somente circulou o DENV1, as epidemias foram de FD, e na seqüência observa-se um período de dois anos que se caracteriza pela baixa endemicidade da doença. Um recrudescimento da doença, de proporções consideradas vultosas na época, teve início em 1990 (Figura 3), provocado pelo aumento da transmissão do DENV-1 e introdução do DENV-2, também em Nova Iguaçu. A incidência no Rio de Janeiro atingiu 165,7 por cem mil habitantes, naquele ano, e em 1991, 613,8 casos por cem mil habitantes. A entrada do DENV-2 trouxe em seu bojo os primeiros diagnósticos de FHD no país quando foram confirmados 462 casos e oito óbitos (Teixeira et al., 2005; Siqueira-Jr. et al., 2005).

 

 

Nos dois primeiros anos da década de 1990, a dengue se manteve quase que inteiramente restrita a cidades dos Estados do Rio de Janeiro, do Ceará, de Alagoas e de Pernambuco, com poucas notificações de casos oriundas do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul (Teixeira et al., 1999). Nos anos subseqüentes, a circulação viral (DENV-1 e DENV-2) se expandiu rapidamente para outras áreas do território brasileiro, acompanhando a expansão do seu mosquito vetor, o Aedes aegypti, e com circulação simultânea de dois sorotipos (Figura 4).

 

 

Em janeiro de 2001, foi confirmada a introdução no país do sorotipo DENV-3, isolado de indivíduo residente no Rio de Janeiro e que havia adoecido em dezembro do ano anterior (Nogueira et al., 2005). Esse sorotipo foi responsável pela epidemia de 2002 do Brasil, quando foram notificados aproximadamente 800 mil casos, ou seja, quase 80% das ocorrências do continente americano. Após esse ano houve uma queda de incidência de notificações; a partir de 2005, retornou a tendência de crescimento (Figura 2), e, em 2008, dados preliminares revelam que mais de 700 mil casos e mais de 45 mil hospitalizações por dengue já foram registrados no Ministério da Saúde (Figura 4). A tendência das hospitalizações registradas no sistema SIH-SUS reflete a ocorrência de casos graves que, de uma maneira geral, acompanha a incidência de casos notificados (Figura 5). A partir de 1988, as internações por FHD revelaram tendência clara de crescimento (Teixeira et al., 2008). Deve-se considerar que os rígidos critérios diagnósticos para confirmação de casos, estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotados no Brasil, poderiam estar subestimando a incidência das formas graves da doença. De 1990 a junho de 2008 foram incluídos no Sistema de Vigilância Epidemiológica 8.885 casos de FHD hemorrágico, dos quais 995 (10,7%) ocorridos entre 1990 e 2000. O restante (7.980 casos) ocorreu entre 2001 e a primeira metade de 2008, ou seja, após a introdução do DENV-3. Entre esses casos, observaram-se 661 óbitos, representando letalidade média de aproximadamente 7,4% (Figura 5). Outro importante acontecimento relacionado à FHD no Brasil é a observação de que até 2006 os casos predominavam na faixa etária de 20 a 40 anos de idade, porém em 2007 verificou-se que 53% dos casos ocorreram entre menores de quinze anos de idade (Teixeira et al., 2008), mudança que se manteve no primeiro semestre de 2008 (Barreto & Teixeira, 2008).

 

 

Prevenção e controle

A falta de uma vacina eficaz e segura, a força de morbidade do agente infeccioso e a alta competência vetorial do Ae. aegypti, vetor bem adaptado ao ambiente urbano densamente povoado, com deficiências e estilos de vida da população que geram habitats ideais para este mosquito, tornam a prevenção da dengue uma formidável tarefa quase impossível de ser atingida com os atuais meios disponíveis para sua prevenção. As medidas de controle atuais têm por objetivo eliminar esse mosquito em suas diferentes fases; porém, de modo geral, a efetividade dessas intervenções tem sido muito baixa, não conseguindo conter a disseminação do vírus e as epidemias se sucedem, em grandes e, mais recentemente, também em pequenos centros urbanos (Dias, 2006). Temos também de considerar que, além da baixa efetividade das ações de controle, há altos custos e implicações desfavoráveis, associadas ao uso de inseticidas no meio ambiente.

Em 1986, possivelmente pela falta de fundos, os países americanos colocaram ênfase no controle da população do mosquito, em vez da sua erradicação, independentemente da inexistência de evidências científicas sólidas de que apenas redução da densidade do Ae. aegypti resultaria no controle da doença (Teixeira & Barreto, 1996). A expectativa seria de que baixando a infestação vetorial se reduziria ou mesmo bloquearia a transmissão. Porém, dados do programa de controle de Cingapura de 1991 mostraram que o vírus da dengue tem capacidade de circular mesmo em lugares com baixa densidade vetorial (Newton & Reiter, 1992), observação que mais tarde também seria feita no Brasil (Teixeira et al., 2002).

A rápida expansão da infestação do vetor da dengue por todo o território brasileiro a partir da segunda metade dos anos 1980 (Figura 6), além de revelar que as estratégias de controle adotadas eram ineficazes, criou condições epidemiológicas para o aparecimento de epidemias da dengue, além do fato de que no presente o agente circula em mais de 70% do território nacional (Dias, 2006). Em 1996, elaborou-se um projeto que incluía esforços em várias frentes com o objetivo de busca da erradicação do vetor. Associado a ações específicas de combate ao mosquito, o projeto incluía intervenções em políticas urbanas essenciais que levassem a retirar a sustentabilidade para o estabelecimento, a reprodução e a expansão do vetor. Além do combate químico ao Ae. aegypti, foram planejadas estratégias e metas nas áreas de saneamento ambiental, educação, informação e ampla mobilização social.

 

 

Buscava-se um projeto tecnicamente sólido mas capaz de incluir amplo suporte social, que exigia ações coordenadas de várias esferas de governo e forte articulação com a sociedade civil. Entendia-se que sua execução traria impacto positivo sobre a ocorrência de outros problemas de saúde relacionados com as condições ambientais urbanas, tais como mortalidade infantil, diarréia, leptospirose, hepatite A, cólera, e que, por sua vez, contribuiria substantivamente para a melhoria da qualidade de vida em nossos centros urbanos (Teixeira & Barreto, 1996). Entretanto, entraves políticos, administrativos e financeiros impossibilitaram a sua execução, e, assim, não foi possível verificar se essa proposta traria os benefícios esperados.

Em seu lugar, um segundo projeto (Plano Ajustado de Erradicação do Aedes aegypti – PEAa) foi implementado, que não incluía os mesmos princípios do anterior, tais como cobertura universal em cada espaço territorial, sincronicidade e simultaneidade de ações, além de não dispor de recursos para realizar dois dos três componentes fundamentais (saneamento, educação e mobilização social) do projeto anterior, ficando reduzido ao combate direto ao vetor. Assim, durante o período 1997-2001, a execução PEAa consistiu quase que exclusivamente de combate vetorial químico, ocasionando a continuidade da expansão da área habitada pelo vetor, na manutenção de elevados níveis de infestação domiciliar, especialmente nos maiores e mais complexos centros urbanos.

Diante desse cenário, em 2002, o Ministério da Saúde enfatizou uma estratégia mais eficiente de controle, que estabeleceu a meta de redução dos índices de infestação dos domicílios para níveis inferiores a 1%, aumentando os recursos financeiros do programa e descentralizando as suas ações para os municípios, mediante repasse fundo-a-fundo. Apesar desses esforços, as epidemias de dengue continuaram se sucedendo, o DENV-3, introduzido em 2001, em menos de três anos se disseminou para municípios de 25 das 26 unidades federadas do país. No primeiro semestre de 2008, a epidemia que acometeu o Estado do Rio de Janeiro provocou pânico, insegurança e desavenças político-institucionais, com repercussões nacionais e internacionais, particularmente em razão da gravidade com que a doença atingiu a população infantil (International..., 2008; Barreto & Teixeira, 2008).

 

 

Contribuições para definição de uma agenda de pesquisa

A magnitude e a gravidade da dengue no Brasil e em vários outros países tropicais e as dificuldades enfrentadas para controlá-la indicam a necessidade urgente de investimentos em pesquisa (Farrar et al., 2007), especialmente aquelas direcionadas à redução da letalidade por essa doença e para o desenvolvimento de novas tecnologias orientadas para o controle do Ae. aegypti, visando à redução da população desse vetor a níveis incompatíveis com a transmissão viral.

Em acordo com as lacunas do conhecimento e das dificuldades de controle apontadas, uma agenda de pesquisa deverá ser conduzida centrada em quatro grandes linhas:

a) Fortalecer o conhecimento sobre a dinâmica da infecção e o aprimoramento das ações antivetoriais.

As ações para eliminação dos vetores têm sido direcionadas para a eliminação das larvas dos criadouros existentes (larvicidas), para a redução de criadouros potenciais que servem para a oviposição das fêmeas do mosquito e, de forma complementar, para o uso de inseticidas no propósito de redução das formas aladas do vetor, ao se detectar, em cada espaço, risco de elevação da transmissão do vírus da dengue (Brasil, 2002; Ooi et al., 2006). Atividades de mobilização da população também são desenvolvidas mediante utilização da grande mídia e múltiplas técnicas pedagógicas de repasse de informações e ações coletivas (mutirões, Dia D, semanas de prevenção da dengue, folders, cartazes etc.) no intuito de elevar a consciência dos indivíduos para a necessidade de manter o ambiente domiciliar e o peridomiciliar livres de criadouros potenciais do vetor. Contudo, estudos recentes têm revelado que essas iniciativas têm sido capazes de elevar o nível de informações sobre a forma de transmissão da doença, mas, geralmente, não modificam permanentemente os hábitos e as práticas dos indivíduos para manter o ambiente livre dos criadouros (Rangel-S, 2008). O que se tem constatado é que os programas antivetoriais, mesmo quando desenvolvidos em acordo com o preconizado pelos documentos técnicos científicos emanados da OMS e outros organismos nacionais e internacionais, não estão alcançando os efeitos esperados e que os princípios técnicos e científicos que norteiam esses manuais não apresentaram grandes avanços quando comparados àqueles que orientavam as campanhas de combate ao Ae. aegypti da primeira metade do século XX, que tiveram como objetivo erradicar a febre amarela urbana.

Tem sido observado que, após a introdução de um dado sorotipo do vírus da dengue em um determinado local, segue-se uma explosão epidêmica com altas taxas de incidência e grande número de casos (Barreto et al., 2008). Caso fosse possível fazer previsões razoáveis sobre as condições que afetam o desencadeamento desse processo, talvez estratégias mais efetivas de prevenção pudessem vir a ser elaboradas e implementadas. Entretanto, apesar das tentativas feitas para desenvolver modelos para previsão da ocorrência de epidemias da dengue, ainda não existem elementos que permitam um prognóstico seguro de curto prazo. A complexidade da dinâmica de uma infecção que envolve quatro sorotipos, as peculiaridades da resposta imune-humana, a elevada competência vetorial do A. aegypti e as características ambientais dos centros urbanos modernos demandam avanços no atual nível de conhecimento que permitam predições baseadas em evidências científicas. Esforços têm sido feitos utilizando-se de recursos derivados da análise de sistemas complexos que incluam a possibilidade de capturar uma série de elementos que variam dinamicamente em um cenário tão complexo do que em um centro urbano. Porém, apesar dos esforços e das tentativas feitas até o momento, os modelos ainda apresentam limitações (Santos et al., 2008).

b) Estudos dos fatores de risco relacionados à ocorrência das formas graves e suas relações com a fisiopatogenia da doença.

A literatura atual apenas sugere algumas hipóteses sobre os mecanismos causais (por exemplo, a hipótese de infecções seqüenciais) e alguns fatores de risco individuais que aumentariam a chance da sua ocorrência (alguma doenças crônicas, doenças alérgicas, etnia branca, etc.). Porém, o nível de evidências existentes ainda não permite formar um quadro completo do problema, e menos ainda ajudar na prevenção.

Assim permanecem importantes lacunas no conhecimento dos fatores que desencadeiam as formas graves da dengue, em especial FHD. Essas lacunas se dão tanto em relação aos mecanismos fisiopatogênicos (Halstead, 2007) como em relação aos fatores de risco que impedem o desenvolvimento de medidas de prevenção e manejo desses casos. Tendo em vista as incertezas em torno dos fatores que determinam a evolução de um caso de FD em FHD, várias hipóteses têm sido levantadas, ligadas ao vírus (Chen et al., 2008), aos indivíduos (Nguyen et al., 2005) ou a fatores genéticos (Blanton et al., 2008; Sakuntabhai et al., 2005). À medida que fica cada vez mais claro o risco de que futuras epidemias possam vir a ser acompanhadas de um número cada vez maior de FHD, o nível de evidências existentes ainda não permite formar um quadro completo do problema, indicando a necessidade premente de investigações nessa direção.

c) Aprimoramento de diagnóstico da dengue, manejo e tratamento das formas severas.

A suspeita das formas hemorrágicas da doença, em geral, só é feita entre o quarto e o sexto dia de início das manifestações clínicas da dengue clássica, quando os denominados sinais de alerta se manifestam (dor abdominal, queda de tensão arterial, tonturas, sangramentos, entre outros). Ainda não se dispõe de tratamento específico e efetivo contra o vírus, e, no mais das vezes, não se indica o internamento dos pacientes nos primeiros dias de manifestações clínicas de dengue clássica. Quando os referidos sinais de alerta surgem, a grande maioria dos pacientes não se encontra na unidade de saúde, demandando um lapso de tempo entre o reconhecimento (pelo indivíduo acometido ou familiares) desses sinais de perigo, tempo este que pode ser crucial para início oportuno do manejo clínico do quadro (hidratação rápida) e o desfecho favorável da enfermidade. Observe-se que, em algumas situações (FHD grau IV), em poucas horas poderá haver evolução para óbito. Assim, no que se refere ao tratamento, a identificação de fatores prognósticos, a exemplo de presença de comorbidades (Bravo et al., 1987a), características biológicas tais como cor da pele (Blanton et al., 2008), entre outras, precisa ser priorizada nas agendas de investigação, pois possivelmente poderá contribuir para o aprimoramento dos protocolos de triagem e manejo clínico da dengue.

A despeito dos recentes avanços que vêm sendo obtidos nas técnicas de laboratoriais para diagnóstico específico da dengue (Mac ELISA, PCR RT, antígeno NS1, etc.), inclusive com redução do tempo necessário para obtenção dos resultados dos exames nas infecções agudas (Kao et al., 2005), há ainda dificuldades para estabelecer com segurança e rapidez se os indivíduos já foram anteriormente infectados por outros sorotipos (infecções secundárias). Novas possibilidades nessa direção devem ser exploradas, tendo em vista a importância desse conhecimento para o entendimento da fisiopatogenia da FHD, como para que os estudos populacionais possam identificar com maior precisão a real importância das infecções seqüenciais na ocorrência da FHD.

d) Desenvolvimento de vacinas.

Em razão da complexidade das infecções provocadas pelos quatro sorotipos do vírus da dengue, o desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz para uso em populações ainda deve superar muitos obstáculos e esclarecer muitas das incertezas que se colocam em razão das lacunas no conhecimento científico sobre a epidemiologia e fisiopatogenia dessas infecções. Embora já existam algumas vacinas candidatas, tanto de vírus vivo atenuado quanto quiméricas (Whitehead et al., 2007), que produzem imunidade para os quatro sorotipos do vírus, problemas sérios relacionados com a segurança persistem. Assim, entre outras questões, existem dúvidas sobre o risco de ocorrerem formas graves da doença em conseqüência da aplicação de vacina em indivíduos que já possuam anticorpos para um ou mais sorotipos, ou que venham no futuro a ser expostos à infecção pelo vírus selvagem (Dengue..., 2007; Halstead, 2007). A OMS vem buscando liderar um processo que impulsione o avanço das pesquisas de vacinas contra dengue, mediante a formação de grupos de trabalho, apoiando programas interinstitucionais, estimulando o aporte de recursos financeiros para investigações que venham a contribuir para a realização dos necessários estudos de campo, a fim de que sejam conduzidos de forma segura aos sujeitos das pesquisas, elaboração de protocolos, promoção de reuniões para atualização e discussão das questões, entre outras iniciativas (Farrar et al., 2007).

 

Nota

1 Disponível em: <http://www.health.qld.gov.au/dengue/outbreak_update/previous.asp>. Acesso em: 2 out. 2008.

 

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